Recentemente estive num congresso sobre futebol chamado “World Football Summit”, em Madrid, um evento bastante mediático e que junta algumas das mais importantes figuras do futebol europeu e mundial. Ao contrário do “Football Talks”, organizado pela Federação Portuguesa de Futebol, o “World Football Summit” abordou mais temáticas relacionadas com a multimilionária indústria das ligas profissionais de futebol, tanto que este evento teve como principal parceiro a Liga Espanhola de Futebol (LaLiga).
Para mim o evento além de me possibilitar o estabelecimento de contactos, foi claramente uma oportunidade para reflectir sobre o trabalho que fazemos no dia-a-dia e o contributo que é dado pelas organizações sem fins lucrativos como as federações, associações, clubes, o próprio estado e as autarquias locais para toda a estrutura do “modelo europeu de desporto”.
Na verdade, as ligas desportivas profissionais são organizações privadas que geram muito dinheiro, mas em termos estruturais são débeis pois edificam-se sobre uma estrutura de “desporto amadora” que ou é apoiada pelos organismos do estado, que tutelam o desporto e as autarquias, ou então não vai haver no futuro atletas para alimentar essa indústria porque quem faz acontecer o desporto todos os dias são os actores locais (clubes e autarquias).
Na verdade, não existe a possibilidade de haver ligas profissionais sem que o estado cumpra com a função de permitir que todos os cidadãos tenham oportunidade de ter acesso à prática desportiva. Em Portugal isso está consagrado no Artigo 79º da Constituição da República. Nesse sentido deixem-me valorizar o papel e o trabalho que é feito nas autarquias locais na área do desporto pois sem elas não existiam financiamentos, instalações, transportes e inclusive a promoção do desporto. Este trabalho é feito todos os dias em parceria com as unidades básicas do associativismo desportivo que são os clubes, que por sua vez são sócios das associações de modalidade, estas por sua vez membros das federações nacionais e as federações nacionais por sua vez são filiadas internacionalmente.
No que diz respeito a questões financeiras, felizmente, já foram dados alguns passos importantes pela FIFA que, em 2010, desenvolveu um mecanismo de solidariedade que reverte a favor dos clubes de formação dos jogadores. Os clubes de formação recebem uma percentagem quando um jogador (formado nesse clube) é vendido para outro clube, e, em todas as transferências efectuadas reverte sempre uma percentagem referente ao escalão que o jogador frequentou nos clubes onde se formou entre os 12 e os 23 anos. Mas isto não chega para ajudar a funcionar todo o sistema e penso que podiam ser dados ainda mais alguns passos significativos se cada um dos atletas profissionais, treinadores, gestores, sociedades desportivas e as ligas profissionais fossem taxados nas suas receitas anuais e esse valor reverte-se directamente a favor dos organismos do estado que tutelam o desporto, visto que todos eles beneficiaram no seu percurso de um sistema que é no geral suportado pelo contribuinte.
Alguns clubes, ligas e atletas profissionais já fazem o seu contributo financeiro para organizações como a UNICEF, como é o caso do FC Barcelona, e também fundações que promovem o desporto, mas isto não é nenhuma imposição legal e muitos dos profissionais fazem-no porque é uma forma de aparentar que estão preocupados com os outros. Como é lógico isto não é verdade para todos. Alguns estão efectivamente preocupados, mas também acredito que muitos não sintam que têm algum tipo de responsabilidade social e apenas o fazem porque é “bonito” ou está na “moda” ajudar os desafortunados. Infelizmente esta é a cultura vigente entre muitos dos privilegiados que têm sorte em facturar milhões numa indústria que só existe porque o contribuinte paga os seus impostos.
Escrito por Paulo Jorge Araújo in Jornal Nordeste 24/10/2017
Técnico Superior de Desporto, Licenciado em Ciências do Desporto pelo IPB e Especialista em Gestão Desportiva pela UP
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