quinta-feira, 30 de junho de 2016

Qual é o legado de Cruyff e o que é que um “pequeno clube” pode aprender com ele?



Sou algo suspeito ao abordar este assunto porque Johan Cruyff é uma das minhas maiores referências desportivas enquanto crescia, tal como o é o AFC Ajax vencedor da Liga dos Campeões em 1995, o “futebol total” e o mentor de toda esta verdadeira cultura do futebol holandês, o lendário Rinus Michels.

Segundo Gustavo Pires, Professor na Faculdade de Motricidade Humana em Lisboa, a cultura de uma organização desportiva é determinada pela sua filosofia de acção que se expressa na identidade cultural que anima e congrega as pessoas que a ela das mais diversas maneiras se ligam. Pois é mas isto não era um artigo de opinião sobre futebol? Era e é, pois o “futebol total” de Rinus Michels e o AFC Ajax foi ambiente cultural onde cresceu e se desenvolveu Johan Cruyff e posteriormente outras lendas do futebol mundial como Frank Rijkaard, Marco Van Basten, Ronald Koeman ou Dennis Bergkamp (a lista de talentos oriundos do Ajax é vasta). 

Johan Cruyff foi um dos mais fieis discípulos e intérpretes do “futebol total” de Rinus Michels, sendo que ambos trabalharam juntos mais de 10 anos, enquanto jogador e treinador, entre as passagens de ambos pelo AFC Ajax, FC Barcelona e a “Laranja Mecânica” do Mundial de 1974. Cruyff termina a sua fabulosa carreira como jogador em 1984 e entre 1985 e 1988 segue os passos do seu mentor e vai treinar o AFC Ajax. Johan Cruyff conquista em 1986-87 a Taça das Taças e a sua equipa é somente constituída por alguns dos mais talentosos futebolistas de sempre: Marco Van Basten, Frank Rijkaard e Dennis Bergkamp. Estes jogadores, assim como muitos outros que se seguiram (como Patrick Kluivert, Clarence Seedorf e Edgar Davids), são provenientes da academia do AFC Ajax que privilegia a qualidade individual e o futebol criativo baseado na velocidade e na técnica (em inglês “TIPS”: technique, insight, personality and speed) no entanto, os aspectos tácticos são fundamentais e todas equipas da formação aprendem a jogar em mais que um sistema táctico sendo que é privilegiada a aprendizagem do famoso “3-4-3” soberbamente interpretado pela equipa principal do clube. 

Em 1988 Johan Cruyff muda-se para o FC Barcelona e não tardou a contribuir de forma efectiva para a aplicação de todo um conjunto de ideias provenientes do AFC Ajax, que ajudaram a melhorar e a transformar a academia do FC Barcelona numa verdadeira fábrica de talentos. Actualmente a academia do FC Barcelona é considerada uma das melhores do mundo, esta mesma academia formou Pep Guardiola, que também foi treinado por Cruyff e que por sua vez afirma que o “mestre holandês” foi uma das pessoas mais influentes do futebol europeu nos últimos 40/50 anos, tendo contribuído com as suas ideias para a definição de um estilo de jogo em dois dos maiores clubes do velho continente. Para Pep Guardiola não era possível existir o FC Barcelona de hoje sem as ideias de Johan Cruyff, o clube enquanto organização desportiva existiria, mas a filosofia que há mais de 25 anos dá suporte ao modelo de jogo e à identidade do jogar do FC Barcelona não, ou seja, resumidamente o mundialmente famoso “tiki-taka” não existiria sem Cruyff. 

Mas então o que é que um “pequeno clube” pode aprender com o legado deixado por Johan Cruyff? 
Na minha humilde opinião e seguindo (julgo eu), a linha de pensamento de Cruyff, um “pequeno clube” deverá ter que perceber primeiramente que é na sua escola de formação de atletas que deve investir (formar com qualidade tem que ser o seu “core business”). O clube deve virar-se para dentro e potencializar os seus recursos humanos (treinadores), deve definir claramente qual é que é a sua identidade, os seus valores e trabalhar com base neles, deve definir que tipo de jogar pretende e como vai ser operacionalizado esse jogar em todas as suas equipas, desde os sub-7 aos seniores. Para isso ser possível é necessário que exista, entre outras coisas, um “coordenador metodológico” que “obrigue” os treinadores das diferentes equipas a trabalhar de forma concertada e de acordo com uma metodologia previamente definida, até para que possa existir uma transição mais suave dos atletas de um escalão para o outro, até chegarem à equipa sénior. Normalmente cada treinador tende a trabalhar a sua equipa de forma independente e à sua maneira, dentro daquilo que é a sua concepção de jogo. Este facto não abona muito a favor da definição de uma filosofia de acção dentro do clube, que em casos normais conduziria à identidade cultural que é vulgarmente definida como o ADN do clube (por exemplo o “tiki-taka” é claramente parte da identidade do FC Barcelona). 

Em jeito de conclusão dizer que o que Johan Cruyff nos deixou como legado foi a sua visão e as suas ideias, para ele o futebol era um espectáculo ao qual os adeptos vão para ver a sua equipa vencer, mas também para serem entretidos, por isso ele privilegiava o futebol de ataque, com muita posse de bola e controlo absoluto do jogo. Para operacionalizar esta visão são necessários jogadores de elevada qualidade técnica, inteligência, personalidade e velocidade, como eles não nascem ensinados, temos que os formar nós dentro do nosso próprio clube. Para que isso seja possível é necessário que se possua uma filosofia de trabalho, alicerçada numa metodologia, que deverá ser transversal a todas as equipas e que permita aos jogadores da formação desaguar tranquilamente nos seniores.



 RIP #14