Chegou a era do diálogo, já que o futebol sabe que sabe pouco e a universidade sabe que pouco mais sabe. O diálogo é um produto genuíno do nosso tempo! Até no futebol! ( por Prof. Manuel Sérgio - FMH)
Data de Publicação: 07/08/2003 in Semanário Transmontano
Exulto com as vitórias do José Mourinho, actual treinador do F.C.Porto, e de outros licenciados em Desporto, também treinadores profissionais de futebol. Tal significa que foi escorreito, apropriado o ensino ministrado no ISEF, ou até: que o ensino universitário do Desporto, naquela escola, nos finais da década de setenta e princípios da década de oitenta, foi verdadeiramente um bem social e não uma simples mercadoria .
O José Mourinho e seus pares hão-de provar isto mesmo, no exercício da sua profissão.
É a escola pública que melhor pode identificar-se com a noção de bem social, dado que as empresas privadas de ensino estão fundamentalmente ao serviço dos interesses do capital que as sustenta. Não duvido que o ensino privado possa transformar-se também num bem social, mas é mais difícil, pois que os dinheiros públicos não o abastecem e o lucro é a única saída possível.
Os licenciados em Desporto, pelas escolas públicas, em Portugal, beneficiaram (e eu testemunhei pessoalmente o que se passou, desde 1968 a1999) da ousadia de um “ensino novo” que originou uma ruptura, em relação ao ensino tradicional da Educação Física. Ensino Novo, repito, que sempre se soube libertar do ensino-mercadoria e realizou um trabalho epistemológico que não tem par, na universidade portuguesa, durante todo o século vinte!
Perante este breve rosário de alinhavos, poderá dizer-se que alguns professores do ISEF e da FMH (onde o Doutor Gustavo Pires e eu nos incluímos) foram românticos e demasiado atrevidos. Mas sempre servimos para que outros mais jovens encontrassem a papa feita, para nos debicarem com acrobacias de palavras (eu disse palavras, não disse ideias).
Cabe-nos esse labéu! No entanto, nenhum desses críticos assanhados manifestou mais irreverência, mais ardor, no questionamento de objectos de estudo e de verdades políticas, tidos por “intocáveis”, há quarenta anos atrás...
Dizia eu que exulto com as vitórias do José Mourinho, treinador do F.C.Porto, e de outros licenciados em Desporto.
Relembro uma conversa que tive, com o Fernando Vaz, jornalista e treinador de futebol, no Hotel Tivoli-Lisboa.
Recordo, passados que são vinte e tantos anos, que lhe apresentei a minha amiga Beatriz Costa. Tinham ambos assistido ao filme Tess, de Polanski. O Fernando Vaz , no seu estilo rebuscado, entrou de elogiar a Tess. E a Beatriz muito rápida:”A Tess é como um jaquinzinho frito, aproveita-se tudo, desde a cabeça ao rabinhonão se deita nada fora. É uma perfeição”. O Fernando Vaz atalhou, dizendo que, mesmo assim, não casaria com uma mulher como a Tess. E a Beatriz, jovial, a ripostar prontamente:”a mulher com quem um homem deve casar há-de ser feia, estúpida e rica. Feia, para descanso do homem; estúpida, para descanso dela; e rica, para descanso dos dois”.
Tanto o Fernando como eu “entupimos”, ficámos sem palavra. A Beatriz Costa ressoava, com veemência, a alma da revista do Parque Mayer, que o seu amigo Vasco Santana corporizou, de modo magistral.
Após o aturdimento da resposta da grande artista da Canção de Lisboa, começámos a falar sobre assuntos respeitantes ao futebol português, enquanto sorrateira a Beatriz Costa deslizava para outra mesa do bar daquele luxuoso hotel.
Lembro que o Fernando Vaz aceitava o licenciado em Educação Física, no futebol, tão-só como ”preparador fisico”. Pontificava então, nesta área, o professor David Monge da Silva. E acrescentava:”O professor de Educação Física encontra-se normalmente muito longe da realidade-futebol”.
Na sua voz quente e repousada, o Fernando Vaz repetia uma “verdade indiscutível”, para o tempo: o lugar de treinador principal pertenceria, por direito próprio, ao antigo praticante.
Consolidavam-se então as licenciaturas em Desporto e o Fernando Vaz ainda não dera por tal. Não esqueço que ele estranhou que eu adiantasse: ”Meu caro amigo, o treinador do Futuro está a nascer no Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa”. Admito, hoje, que ele não percepcionou até onde eu queria chegar. Entretanto, o Carlos Queirós era finalista, no ISEF, e o José Mourinho preparava-se para ser “caloiro”...
Não duvido que ao antigo praticante do futebol profissional, desde que devidamente interessado e preparado, cabe uma função de relevo, no desenvolvimento da sua modalidade.
Mas há que não esquecer as exigências do conhecimento científico, tendo até em conta a dignificação do próprio futebol.
Chegou portanto a era do diálogo, já que o futebol sabe que sabe pouco e a universidade sabe que pouco mais sabe.
O diálogo é um produto genuíno do nosso tempo! Até no futebol! Um célebre comentador de Paul Ricoeur notou que a hermenêutica, ou a comunicação, ocupou o lugar da metafísica, no pensamento contemporâneo. A hermenêutica não exige mais do que a razão, mas a razão inteira. Será que a universidade e o futebol usam a razão inteira, sempre que recusam o diálogo?
Data de Publicação: 07/08/2003
O José Mourinho e seus pares hão-de provar isto mesmo, no exercício da sua profissão.
É a escola pública que melhor pode identificar-se com a noção de bem social, dado que as empresas privadas de ensino estão fundamentalmente ao serviço dos interesses do capital que as sustenta. Não duvido que o ensino privado possa transformar-se também num bem social, mas é mais difícil, pois que os dinheiros públicos não o abastecem e o lucro é a única saída possível.
Os licenciados em Desporto, pelas escolas públicas, em Portugal, beneficiaram (e eu testemunhei pessoalmente o que se passou, desde 1968 a1999) da ousadia de um “ensino novo” que originou uma ruptura, em relação ao ensino tradicional da Educação Física. Ensino Novo, repito, que sempre se soube libertar do ensino-mercadoria e realizou um trabalho epistemológico que não tem par, na universidade portuguesa, durante todo o século vinte!
Perante este breve rosário de alinhavos, poderá dizer-se que alguns professores do ISEF e da FMH (onde o Doutor Gustavo Pires e eu nos incluímos) foram românticos e demasiado atrevidos. Mas sempre servimos para que outros mais jovens encontrassem a papa feita, para nos debicarem com acrobacias de palavras (eu disse palavras, não disse ideias).
Cabe-nos esse labéu! No entanto, nenhum desses críticos assanhados manifestou mais irreverência, mais ardor, no questionamento de objectos de estudo e de verdades políticas, tidos por “intocáveis”, há quarenta anos atrás...
Dizia eu que exulto com as vitórias do José Mourinho, treinador do F.C.Porto, e de outros licenciados em Desporto.
Relembro uma conversa que tive, com o Fernando Vaz, jornalista e treinador de futebol, no Hotel Tivoli-Lisboa.
Recordo, passados que são vinte e tantos anos, que lhe apresentei a minha amiga Beatriz Costa. Tinham ambos assistido ao filme Tess, de Polanski. O Fernando Vaz , no seu estilo rebuscado, entrou de elogiar a Tess. E a Beatriz muito rápida:”A Tess é como um jaquinzinho frito, aproveita-se tudo, desde a cabeça ao rabinhonão se deita nada fora. É uma perfeição”. O Fernando Vaz atalhou, dizendo que, mesmo assim, não casaria com uma mulher como a Tess. E a Beatriz, jovial, a ripostar prontamente:”a mulher com quem um homem deve casar há-de ser feia, estúpida e rica. Feia, para descanso do homem; estúpida, para descanso dela; e rica, para descanso dos dois”.
Tanto o Fernando como eu “entupimos”, ficámos sem palavra. A Beatriz Costa ressoava, com veemência, a alma da revista do Parque Mayer, que o seu amigo Vasco Santana corporizou, de modo magistral.
Após o aturdimento da resposta da grande artista da Canção de Lisboa, começámos a falar sobre assuntos respeitantes ao futebol português, enquanto sorrateira a Beatriz Costa deslizava para outra mesa do bar daquele luxuoso hotel.
Lembro que o Fernando Vaz aceitava o licenciado em Educação Física, no futebol, tão-só como ”preparador fisico”. Pontificava então, nesta área, o professor David Monge da Silva. E acrescentava:”O professor de Educação Física encontra-se normalmente muito longe da realidade-futebol”.
Na sua voz quente e repousada, o Fernando Vaz repetia uma “verdade indiscutível”, para o tempo: o lugar de treinador principal pertenceria, por direito próprio, ao antigo praticante.
Consolidavam-se então as licenciaturas em Desporto e o Fernando Vaz ainda não dera por tal. Não esqueço que ele estranhou que eu adiantasse: ”Meu caro amigo, o treinador do Futuro está a nascer no Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa”. Admito, hoje, que ele não percepcionou até onde eu queria chegar. Entretanto, o Carlos Queirós era finalista, no ISEF, e o José Mourinho preparava-se para ser “caloiro”...
Não duvido que ao antigo praticante do futebol profissional, desde que devidamente interessado e preparado, cabe uma função de relevo, no desenvolvimento da sua modalidade.
Mas há que não esquecer as exigências do conhecimento científico, tendo até em conta a dignificação do próprio futebol.
Chegou portanto a era do diálogo, já que o futebol sabe que sabe pouco e a universidade sabe que pouco mais sabe.
O diálogo é um produto genuíno do nosso tempo! Até no futebol! Um célebre comentador de Paul Ricoeur notou que a hermenêutica, ou a comunicação, ocupou o lugar da metafísica, no pensamento contemporâneo. A hermenêutica não exige mais do que a razão, mas a razão inteira. Será que a universidade e o futebol usam a razão inteira, sempre que recusam o diálogo?
Data de Publicação: 07/08/2003
2 comentários:
Aiiiiiiiiiii....Se todos os dirigentes fossem como este indivíduo estariamos a um nível bem mais elevado. A culpa é de alguns bons atletas portugueses que com os seus reultados mascaram a realidade desportiva tuga :-s Raio de Vanessas e Cristianos e não sei que mais, iludem o povinho que pensam que somos alguém ao nível desportivo. Tolinhos... Mas eu também ando em negação ou afirmação... Já nem sei bem! Em resposta ao post anterior aqui fica http://www.youtube.com/watch?v=Ol5pkG3RWh0&eurl=http%3A%2F%2Ffaxavor%2Eblogspot%2Ecom%2F
Pois...este Sr. sabe muito...muito mesmo....consegue prever o futuro...sem ter um baralho nas mãos!!lol
Mas pessoalmente admiro mais o outro Sr. o PROF GUSTAVO PIRES....o Pai da Gestão do Desporto em PORTUGAL!!
Enviar um comentário