O Desporto como nós o conhecemos hoje nasceu em Inglaterra com a Revolução Industrial. Antes disso não existia a chamada “sociedade do tempo-livre”, pois todas as actividades eram geridas de acordo com as horas de sol, sendo que principalmente na agricultura trabalhava-se de sol-a-sol.
Aquela velhinha ideia que o desporto vem desde a Grécia Antiga é um erro histórico grave pois os gregos da antiguidade clássica não praticavam desporto, treinavam e competiam mas o seu objectivo principal era realizar uma preparação para o combate militar.
As primeiras provas dos Jogos Pan-helénicos incluíam corridas com equipamentos militares, tais como escudos, espadas e capacetes. Assim sendo, o treino e a competição, eram nada mais nada menos que um meio de preparação militar, que substituía a guerra quando imposta a Trégua Sagrada e que colocava as cidades-estado não a lutar entre si directamente, mas sim indirectamente através da competição nos Jogos Pan-helénicos.
O Barão Pierre de Coubertin achou graça ao que os gregos da antiguidade clássica faziam e basicamente “copiou a ideia”, sendo que as práticas competitivas que ele incluiu nos Jogos Olímpicos eram, em grande parte, algumas das modalidades desportivas que nós conhecemos hoje e assim sendo em 1896 organizou em Atenas a 1ª Olimpíada da era Moderna.
Existem jornais do início do Século XX que falam de conferências realizadas por “Sportsmen” (aquilo que hoje chamamos vulgarmente de desportistas) em clubes sociais das capitais de distrito do interior do nosso país. Estes clubes eram organizações onde se realizavam bailes, jogava-se às cartas, as elites conviviam e falavam dessa moda que era o “Sport”, que estava muito em voga na Inglaterra. Estas entidades eram, claramente, uma imitação dos clubes de sociedade britânicos e em muitos casos foi ali que se começaram a dar as primeiras aulas de ginástica.
Os primeiros clubes desportivos surgem em Trás-os-Montes e Alto Douro apenas no início dos anos vinte. Em 1920 é fundado o Sport Clube de Vila Real e em 1926 nasce o Sport Clube de Mirandela. Seja como for estes clubes desportivos transmontanos são fundados com alguns anos de atraso em relação aos primeiros clubes desportivos nacionais. Veja-se os casos do Oporto Cricket and Lawn Tennis Club fundado em 1855, da Real Associação Naval fundada em 1856 e por exemplo do Ginásio Clube Figueirense fundado em 1895.
Segundo o Professor António José Serôdio da UTAD, no início do século o ciclismo e o boxe eram desportos muito praticados e o futebol pouco tempo depois passou a ser o desporto dominante.
Os clubes desportivos surgiram em grande parte dos concelhos transmontanos como forma de contestação ao poder económico, político e cultural que as sedes de distrito representavam em relação a concelhos de menor importância.
O clube desportivo e principalmente o futebol era, na época, uma forma de combater e contestar a hegemonia das capitais de distrito. Muitas vezes clubes de concelhos mais pequenos contrataram jogadores do litoral, e até de Espanha, para jogar contra os “opressores”, na época os regulamentos assim o permitiam. Com estas rivalidades surgiram diversas vezes problemas de desordem pública que obrigaram à intervenção da polícia.
Trás-os-Montes e o Alto Douro sentiram durante muitos anos o fenómeno do êxodo rural e a partir dos anos 80 do século passado esta situação intensificou-se, quer no caso dos retornados de África após o 25 de Abril, quer de outros que já habitavam na região e que tiveram que emigrar ou ir em busca de melhores condições de vida nas cidades do litoral. A situação é grave e entre 2001 e 2014 a região perdeu cerca de 36 000 habitantes, se tivermos em conta que em 2014 o número de idosos já duplicara em relação em relação ao número de crianças entre os 0-14 anos. O cenário é, na minha opinião, negro pois sem pessoas não há desporto e a demografia ilustra bem qual é a força de uma região.
Nascem cada vez menos crianças, logo na minha perspectiva o desporto competitivo e os clubes desportivos vão passar um mau bocado no futuro, pois não vai haver praticantes jovens suficientes para toda a oferta que existe actualmente e existem mesmo clubes em localidades mais pequenas que vão ter que fechar a porta a médio prazo. Penso que a longo prazo os grandes jogos desportivos colectivos como o futebol de onze vão acabar e em algumas localidades com menos população a tendência será haver desenvolvimento de alguns desportos individuais e da prática do futsal, visto que são necessários menos elementos para fazer uma equipa.
Posto este cenário, parece-me que a longo prazo quem vai dominar as actividades desportivas em Trás-os-Montes vai ser o segmento dos idosos e dentro destes vão estar em particular destaque os que estão institucionalizados pois esses integram em definitivo a já anteriormente referida “sociedade do tempo-livre”, que nasceu com a Revolução Industrial.
Escrito por Paulo Jorge Araújo
Técnico Superior de Desporto, Licenciado em Ciências do Desporto pelo IPB e Especialista em Gestão Desportiva pela UP.